Após a entrevista do presidente da JAC Motors, Sérgio Habib, no Folha.uol.com, fica dúvidas quanto à propaganda do governador Jaques Wagner, dizendo que teve influência junto ao Governo Federal para a vinda da fábrica para a Bahia. Ao contrário do que anuncia o governador anunciou chinesa da JAC Motors teria vindo para a Bahia por causa da forte ligação do empresário com Trancoso.
Em entrevista à Folha Uol, o empresário Sérgio Habid, presidente da JAC Motors do Brasil, revelou que trouxe a montadora de carros chinesa para a Bahia por causa de sua paixão por Trancoso.
Veja trecho da entrevista abaixo transcrita da Folha.uol.com
O presidente da JAC Motors no Brasil, Sergio Habib, participou do programa "Poder e Política - Entrevista", conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. Esta edição especial foi gravada na sede da JAC Motors em São Paulo, em 6.out.2011. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha.
Narração de abertura: O empresário Sergio Habib tem 53 anos. Formou-se em engenharia eletrônica pela FAAP e fez pós-graduação em administração de empresas em Harvard, nos Estados Unidos. Habib construiu carreira no ramo de importação de automóveis nos anos 90. Hoje comanda o Grupo SHC no Brasil, que engloba as atividades comerciais da Citroën, Jaguar, Volkswagen e JAC Motors. Um dos feitos do empresário foi ter introduzido a Citroën no Brasil. De 2001 a 2008, fez aumentar de 30 para 130 os pontos de venda dessa marca francesa aqui no país.
Neste ano seu desafio foi vender carros chineses da JAC Motors para os brasileiros. Habib abriu 50 concessionárias de uma vez. Reservou 60 milhões de reais para comerciais, com Fausto Silva de garoto propaganda. Barato, o carrinho chinês vendeu 15 mil unidades em 4 meses. Tudo ia bem... até o governo brasileiro aumentar em 30 pontos percentuais o imposto sobre carros importados.
Folha/UOL: Muito obrigado por sua disposição em falar com a Folha de S. Paulo e o UOL. Começo perguntando: essa decisão do governo Federal de aumentar em 30 pontos o imposto sobre produtos industrializados, no caso automóveis importados, afeta e como o seu negócio?
Sergio Habib: Essa decisão afeta profundamente o nosso negócio. Mas não é essa decisão que fez a JAC Motors decidir fazer uma fábrica no Brasil. Na realidade, nós já sabíamos, eu já sabia quando a gente lançou a JAC Motors no Brasil que a gente ia ter que fazer uma fábrica no Brasil rapidamente.
Nós anunciamos a fábrica dia 1º de agosto. Eu venho trabalhando com vários governos estaduais a implementação da fábrica já faz quase um ano. Ou seja, faz muito tempo que eu estou trabalhando neste projeto. E esse aumento de 30 pontos percentuais do IPI não mudou a nossa decisão. A gente já tinha decidido faze a fábrica. Isso não precipitou o nosso investimento.
Folha/UOL: Existe certo preconceito, em sua opinião, a respeito de empresários que lidam com importação no Brasil? Eu digo preconceito, sobretudo por parte da atual equipe econômica, do governo federal, até porque, quando foi tomada a medida, a presidente Dilma chegou a dizer por interpostas pessoas que carros importados poderiam fazer com que o mercado brasileiro fosse alvo de pirataria. Ela estava se referindo aos senhores todos? O que ela queria dizer com isso?
Sergio Habib: Eu não sei o que ela queria dizer. Eu não vi essa entrevista. E às vezes o que a gente lê no jornal não é bem o que a pessoa falou. Mas uma coisa é certa: os carros importados pela Abeiva [Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores] representam 5,8% do mercado nacional. Ou seja, 5,8% não é uma invasão. Os carros importados pela Abeiva vão pagar neste ano [2011] R$ 6 bilhões em impostos e geram 35 mil empregos na rede de distribuição. Fazem mais de 10 anos que o governo não tomava uma medida brusca para carros importados. A última vez que nós tivemos uma medida brusca contra carros importados foi em 95 [1995]. Eu, na época, já era importador da Citroën, a alíquota de importação foi brutalmente de 32% para 70%. Mas, na época, o Brasil era bem menor que hoje. O nosso PIB era de 800 bilhões de dólares, hoje é de 2,2 trilhões de dólares. Nosso PIB hoje é maior que o PIB da Itália. Nós somos a sétima economia. Na época, o Brasil tinha déficit na balança comercial, hoje tem superávit. Na época, o Brasil tinha dívida externa. Hoje o Brasil é credor externo de 350 bilhões de dólares. E o Brasil não é uma Argentina. Não dá, no Brasil, para mudar a regra do jogo no meio do jogo, simplesmente porque o placar não está do jeito que a gente gostaria, ou algumas pessoas gostariam que fosse. As coisas no Brasil... o Brasil é um país grande, é um país sério, eu acredito no meu país. E quando a gente quer mudar regra de jogo, primeiro, tem que conversar com todos os setores. Depois, tem que dar tempo para o setor se adequar a uma nova mudança.
Costumo dizer: quem está aqui, fica. Quem não está, não consegue chegar. Porque uma nova marca chegando ao país, ela precisa de duas coisas, qualquer nova marca. Primeiro, ela precisa montar uma rede de distribuição. E, segundo, ela precisa ter um processo de integração nacional paulatino. Mas eu estive no MDIC [Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior], no ministro do Comércio e Indústria e o governo está aberto a novos projetos de implantação e nós estamos apresentando nosso projeto. E está aberto a fazer modificações.
Basicamente, qualquer marca que se implantar no Brasil, precisa de um processo de integração local paulatino conforme os anos passam. Então, no primeiro ano, 20%, 25%. Segundo ano, 35%. Terceiro ano 50%. E, a partir do quarto ano ou quinto ano, aí sim, ter 65% de integração local. Isso é possível.
A segunda coisa: uma empresa para se implantar no Brasil, ela tem primeiro que ter uma rede. Porque uma montadora, uma fábrica quando ela está lá, ela custa caro. Ela tem que produzir praticamente, instantaneamente, os seus volumes de carro. Tem que ter rede para vender. Uma fábrica não pode começar e fabricar 200 carros por dia. Ela tem que começar e já fazer, imediatamente, 500, 600 carros por dia. Senão ela não é viável.
Todas as montadoras que se implantaram no Brasil no final da década de 90... Então vamos lá, você tem a Honda. A Honda começou importando carros durante 6, 7 anos e abriu a montadora. A Toyota importou carros durante 7,8 anos e abriu a montadora. A Renault importou carro durante 8 anos e abriu a montadora. A Peugeot mesma coisa. E a Citroën da qual eu fui presidente, nós importamos carros durante 10 anos. Em 2001, abriu nossa fábrica. E hoje essas montadoras estão todas aqui, gerando emprego, gerando tecnologia, talvez não o suficiente, mas gerando alguma tecnologia. Então é um processo normal. Nós da JAC Motors, nós vamos importar carros durante 2 ou 3 anos. O tempo da nossa fábrica estar operando. Mas a decisão já estava tomada [antes do o governo aumentar imposto de importação para carros produzidos fora do Mercosul].
Folha/UOL: O sr. esteve recentemente na China e também em Brasília. Na China, falou com os dirigentes da JAC Motors na China e, em Brasília, falou com integrantes do governo. Com quem o sr. falou nesses lugares e que tipo de decisão foi tomada depois desses seus contatos?
Sergio Habib: A JAC Motors é uma estatal. Na China eu falei com o governador da província... A JAC Motors é uma empresa de capital misto, um pouco como a nossa Petrobras. Ela é uma mistura de capital estatal, 75%, e 25% flutuam na bolsa de Xeizen, que é uma cidade no sul da China. Então eu falei com o governador, é o acionista da empresa. E eu falei com os presidentes da empresa, tentei explicar as medidas, e eu expliquei que eu ia tentar fazer junto com o governo brasileiro algumas alterações que permitissem a implantação da nossa fábrica.
Folha/UOL: O que eles disseram?
Sergio Habib: "Vamos esperar". Eles disseram o seguinte: vamos esperar que você consiga fazer essas modificações e nós estamos dispostos a investir no Brasil. Nós estamos dispostos a investir no Brasil.
Folha/UOL: E em Brasília, que tipo de sinal objetivo o senhor obteve do governo sobre essa sua intenção de instalar a fábrica?
Sergio Habib: Que o governo, apresentando um projeto completo no MDIC, está disposto a estudar o que precisa ser feito para permitir a implantação de novas marcas no Brasil.
Folha/UOL: O sr. vai apresentar esse projeto nesta sexta-feira, 7 de outubro [de 2011]. O sr. poderia dizer em linhas gerais como será esse projeto dessa fábrica da JAC Motors no Brasil?
Sergio Habib: A primeira característica da nossa fábrica é que nós, o grupo SHC, que é brasileiro, nós vamos ter 80% da fábrica.
Folha/UOL: De um valor total de quanto de investimento?
Sergio Habib: R$ 900 milhões.
Folha/UOL: Ao longo de quanto tempo?
Sergio Habib: 2, 3 anos. Então o que acontece é o seguinte: é um investimento de R$ 900 milhões. Nós, grupo SHC, vamos ter 80% do capital, e os chineses vão ter 20% do capital. Então é a primeira montadora de carro de volume, abaixo de R$ 40 mil, onde nós vamos ter uma empresa de capital nacional, 80% de capital nacional. Essa é a primeira coisa. Isso já está acertado com os chineses.
Folha/UOL: O seu grupo tem capital próprio? O sr. tem que capitar no mercado esses recursos para investir esses 80% dos R$ 900 milhões?
Sergio Habib: Não, uma parte vai ser recursos próprios e uma boa parte vai ser financiamento com BNDES e esse tipo de banco. Como fazem as montadoras estrangeiras quando investem no Brasil. As montadoras estrangeiras investem no Brasil, mas pegam dinheiro do BNDES. Para você ter uma ideia, no ano passado [2010], o setor automotivo como um todo remeteu para o exterior 4,2 bilhões de dólares de remessa de lucro. E investiu no Brasil, o setor automotivo, 450 milhões [de dólares]. Só. Com 450 milhões [de dólares] você não faz uma fábrica.
Isso quer dizer o seguinte: as próprias montadoras estrangeiras quando investem no Brasil utilizam os bancos de fomento, de desenvolvimento, que a gente tem no Brasil. Não trazem dinheiro de fora. E este ano [2011], essas mesmas multinacionais que fabricam carros no Brasil remeteram para o exterior junto com as empresas de autopeças de capital estrangeiro 3,16 bilhões de dólares em 7 meses. 3,16 bilhões [de dólares] de remessas de lucro em 7 meses. Dados do Banco Central.
A totalidade de carro importado na China é 300 milhões. Então funciona assim: os carros chineses, que competem com a fabricação nacional são 300 milhões de dólares de importação. E a remessa de lucro para o exterior das multinacionais que fabricam automóveis no Brasil e dos fabricantes multinacionais é 3,16 bilhões [de dólares]. Isso dá uma idéia do que está acontecendo no Brasil.
Folha/UOL: Agora, voltando para o projeto da empresa da indústria. O sr. disse que são R$ 900 milhões em investimentos...
Sergio Habib: R$ 900 milhões em investimentos, 3.500 empregos diretos, 80% de capital nacional, 100 mil carros por ano...
Folha/UOL: E qual modelo o sr. vai produzir no Brasil, nessa fábrica, a expectativa...
Sergio Habib:...a expectativa é fazer um carro abaixo de R$ 40 mil.
Folha/UOL:...que é esse carro pequeno que já é vendido aqui, importado da China?
Sergio Habib: Não, não seria o J3.
Folha/UOL: Não seria o J3?
Sergio Habib: Não. Seria um outro carro. Um carro diferente do J3. Nós já estamos, eu já estou trabalhando no projeto desse carro, mas... Não posso comentar, mas vai ser um carro diferente do J3, muito mais moderno que o J3, porque ele vai ser lançado daqui 3 anos. 2014 é a data de abertura da fábrica. E na nossa fábrica nós vamos ter um centro de tecnologia, nós vamos ter um departamento de estilo, onde nós vamos desenhar os carros para os brasileiros. Eu já estou começando a montar esse centro de...
Folha/UOL: Onde vai ser instalada essa fábrica?
Sergio Habib: Nós estamos com negociações muito adiantadas com o governo da Bahia.
Folha/UOL: Por que na Bahia?
Sergio Habib: Por várias razões. Uma delas é que eu tenho casa em Trancoso, eu gosto muito com a Bahia. Eu tenho uma ligação sentimental com a Bahia. Eu gosto muito da Bahia. E é importante, ligação... Muitas vezes, homens de negócios fazem negócios por razões, às vezes, irracionais. O fato é o seguinte: eu gosto muito da Bahia. Eu tenho casa na Bahia. Nós temos um projeto social muito grande, a gente tem, a nossa empresa tem 1.800 crianças que estudam completamente de graça numa região muito pobre de Trancoso, onde as crianças estudam em período integral com aula de música, aula de judô etc. Então eu tenho uma ligação sentimental com a Bahia.
A segunda [razão para instalara a fábrica da JAC Motors na Bahia] é que o Nordeste está crescendo muito. Nos últimos quatro anos, o mercado de automóveis no Brasil cresceu 44%. São Paulo cresceu 15%. Salvador cresceu 65%. Uma estatística simples: o mercado hoje, Salvador mais Recife, é maior que Colômbia. Salvador mais Recife é maior que Colômbia. O mercado de automóveis, Salvador hoje é a terceira maior cidade do Brasil. O mercado de Salvador hoje é uma vez e meia o mercado de Porto Alegre. É metade do mercado do Rio.
Folha/UOL: Essa é uma das razões. Agora, o governo do Estado da Bahia está oferecendo algum incentivo, alguma facilidade para a instalação da fábrica lá?
Sergio Habib: Sim. Vários governos oferecem incentivos. A gente viu agora que o Paraná acabou de oferecer incentivo fiscal para a Renault aumentar os investimentos em Curitiba. Eu conversei com vários Estados. Nós temos incentivos fiscais na Bahia. Mas o nosso projeto é um projeto para 30, 40 anos. Incentivo fiscal tem uma data para começar, uma data para acabar.
Folha/UOL: Onde vai ser [a fábrica] fisicamente?
Sergio Habib: Vai ser no Polo Industrial de Camaçari.
Folha/UOL: Já tem um local designado? O sr. já visitou o local?
Sergio Habib: Nós temos um local designado. Nós sabemos que vamos fechar nesse local. É próximo à fábrica da Ford. A Bahia já tem lá um pólo industrial em Camaçari. E vai ser lá perto.